domingo, 15 de janeiro de 2012

Primeira parte - Entre o nascimento e o Ensino Fundamental I


          Estou na labuta para a escrita da tese e no meio desse trabalho, venho resgatando o que produzi nas disicplinas do Doutorado. Uma delas, Educação, Sociedade e Práxis, teve como uma das atividades a escrita de um memorial sobre a vida do aluno, na perspectiva de pensar sua trajetória acadêmica e sua relação com a educação desde os primórdios. Foi uma delícia fazer e, agora revendo, resolvi compartilhar aqui no blog. Como é muito extenso, farei em partes.

PARTE I


Nasci na Bahia de Todos os Santos, na cidade de São Salvador, regida sob o signo de peixes, em um sábado de carnaval. Nasci sem ser planejada, mas já no ventre de minha mãe Dilmara, técnica em contabilidade, e nos pensamentos de meu pai, João Batista, vendedor, havia um sentimento de amor por aquele bebezinho que até então chamavam de Joãozinho. Como não queriam saber o sexo, mas apenas da saúde do ser que iria nascer, deixaram para decidir tudo em relação a mim, quando olhassem para os meus olhos.
E foi assim que, em 20 de fevereiro de 1982, no Hospital Jorge Valente, após um dia de praia, programa preferido dos meus pais, cheguei ao mundo, ainda sem nome, padrinhos ou enxoval de menina, coisas comuns à maioria das famílias católicas. Não a minha.
Ao olhar para mim, meu pai disse que só lembrava-se de uma senhora que conhecerá em Jequié, sua cidade natal, pois tinha o mesmo olhar de calmaria. Essa senhora chamava-se Camila, segundo ele, a única Camila que havia conhecido na vida. Assim, tornei-me Camila ao primeiro olhar de meus pais. Depois de nomeada, todas as outras coisas seguiram seu curso normal. Era o primeiro filho deles e a única menina para sempre. 
Dois anos depois nascia meu irmão, Leonardo, aquele o qual eu iria amar por toda uma vida, e brigar por toda a mesma vida. Foi meu primeiro aluno e meu primeiro professor, metaforizando as aprendizagens que só irmãos vivenciam, das artes, descobertas, segredos e brigas. Ensinei-lhe as coisas que todas as crianças maiores ensinam as maiores, como andar de bicicleta e dar os primeiros mergulhos. E aprendi a ser tolerante e paciente, pois um irmão mais novo sempre nos faz exercitar esses sentimentos.
Falei muito cedo, andei mais cedo ainda, aos 11 e 10 meses respectivamente. Era uma criança calma na primeira infância, é o que todos dizem até hoje. Meu passatempo preferido era dormir.
Aos três anos de idade, minha mãe que precisava voltar a trabalhar, pois havia parado para cuidar de mim integralmente, colocou-me na minha primeira escola: Educandário Carlos Chagas. Era uma escola pequena, no bairro em que morei a vida quase toda, Cabula. A escola era bem pequena: algumas poucas salas e um parquinho apenas. Foi lá que aprendi a ler, aos cinco anos, no antigo Jardim II com a Pró Olga, recordo-me dela até hoje.
Eu era muito envergonhada e meu maior martírio era fazer parte das apresentações na escola. Recusava-me simplesmente, ou ficava com cara de boba, escondendo-me atrás de qualquer coisa ou pessoa que fosse maior que eu. Isso demorou a passar.
Aos seis anos, quando ia começar a alfabetização, meus pais me mudaram de escola. Fui para o Parque da Criança. Uma escola um pouco maior do que a anterior e de propriedade da esposa de um colega de trabalho de meu pai, coincidentemente, ela, Zilmar, havia sido colega de escola da minha mãe na escola Parque, a idealizada por Anísio Teixeira.
Estudei no Parque da Criança durante todo o ensino fundamental. A escola tinha e tem ainda hoje uma linha tradicional de ensino e regras bem rígidas. Custo a acreditar como eu adorava a cartilha, a caligrafia e a tabuada. Mas adorava. Lembro desse sentimento como sendo hoje. Lembro que era uma das poucas que já entrou na alfabetização alfabetizada, mérito da Pró Olga. E adorava me exibir lendo as lições do SAPO, do PATO – as que mais me lembro – na Cartilha. Era motivo de orgulho, não ficar retida em nenhuma lição e completar logo a cartilha.
Minha professora da alfabetização era ranzinza, mal humorada, além de muito exigente. Lembro-me perfeitamente da fisionomia dela, dos trejeitos e do tamanho pequeno, mas não recordo o nome. Eu gostava de me exibir com as letras e os números, momento em que não tinha nenhuma vergonha, e ela odiava essa minha exibição.
Os anos seguintes correram de forma muito parecida, alguns professores bem rígidos, chateados com a vida, e sempre cobrando muito dos alunos. Às vezes penso em agradecê-los, outras em perguntar por que não tornavam este momento ainda mais especial. Como toda regra tem exceção, com essa não seria diferente. A professora Gecilda, da segunda série, rompia com todas essas práticas. As aulas dela eram divertidas, ousadas e criativas. Ela nos dava autonomia e nos cobrava responsabilidade. Desafiava-nos e, consequentemente, as desafiávamos. Tanto a turma e os pais insistiram que ela foi nossa professora no ano seguinte. Devo a ela a maioria das coisas que aprendi no ensino fundamental. Já lhe disse isso pessoalmente, pois já a encontrei diversas vezes em cursos de formação, visto que anos depois nos tornamos colegas da rede municipal de ensino... mas isso é outra história...
Como tudo tem um fim, o ensino fundamental, na época, primário, acabava e eu tinha que mudar de escola, pois lá só tinha até a quarta série. A notícia era desesperadora: ia deixar meus amigos de cinco anos, irem para uma escola maior, sair do transporte escolar, mas era instigante: eu ia para o ginásio, teria muitos professores, aula de informática – a febre do momento – e uma turma ainda maior. Mantive quatro amigos daquele período, que o são até hoje. Um deles, Mônica, acompanhou-me para escola nova, era minha vizinha, éramos amigas desde o Carlos Chagas e companheiras em tudo. Infelizmente, o câncer a levou em 2009, em um período em que já não éramos as mesmas amigas da época do colégio.



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