domingo, 25 de novembro de 2012

Poeminha para Gustavo


Ele, Ela e o Convidado de Honra

Era uma vez Ele
Era uma vez Ela
Eram dois que já foram tantos por tantas vezes
Já apaixonaram-se, já separaram, já reataram
Já prometeram-se não desgrudar jamais
Já prometeram-se não se ver nunca mais
Eram dois sem nunca terem sido um só
Ela incansável por garimpar e subir apressadamente os degraus que idealizou
Ele paciente, otimista e planejando futuros e sucessos
Eram dois tão diferentes
Ela rubronegra, Ele alvirrubro
Ele da terra do frevo, Ela da terra do samba de roda
Ele da década de 80, Ele da de 60
Ela metida a intelectual, Ele lendo tudo que é jornal
Ela louca por música, Ele “desafinado até para cuspir”
Ele com poucos sinceros amigos, Ela querendo fazer coleção deles
Ela ansiando por viver tantas coisas, Ele saudosista do que já viu
Eram bem diferentes, mas se encontraram num beijo
E descobriram que igualmente adoravam o mar
Que Ela e Ele têm paixão por viajar
Que Ele e Ela têm na internet um lugar
Que Ela e Ele lêem com a mesma paixão que têm por fotografar
E dez anos se passaram
Ele e Ela, que nunca acharam ter algo tão forte em comum,
Que os fizessem, ainda, continuar a tentar,
Fizeram o que de mais forte há de ficar
Sem planejar, sem sonhar, sem nem ao menos, conscientemente, tentar
Ele e Ela, tão diferentes, têm algo igual: um Convidado de Honra
Uma semente, uma nova vida
Uma parte Dela, uma parte Dele
Ainda que sem ter como saber o que espera Ela e Ele
Há garantido que, ao menos, terão muito o que aprender
E na surpresa da descoberta, Ele e Ela se olham
E entendem que amam tanto e igualmente o Convidado de Honra,
Que antes mesmo dele chegar à festa que é este mundo,
Já sabem que, aconteça o que acontecer,
Ele e Ela nunca mais serão apenas dois.


Camila Santana


quinta-feira, 15 de março de 2012

Semana da poesia?

Escrevi esta "pretensão de poema" no dia 23 de setembro de 2010, durante uma aula, ou encontro como Mary custamava denominar, de Projeto de Tese II do Doutorado em Educação.
Neste dia, Mary Aparapiraca, a professora, havia começado a aula com um poema de José Luís Peixoto - Explicação da Eternidade que começa assim: "Devagar, o tempo transforma tudo em tempo"... E eu matutava essa coisa do tempo...Inclusive escrevi sobre ele aqui (coincidentemte, também em setembro, no dia 21). 
Eu continuava a matutar, pensar, refletir, enquanto Maryíssima nos levava Nos Bailes da Vida de Milton Nascimento e dizia ela: "Todo artista tem de ir aonde o povo está. Todo pesquisador também"...
No meio de tantos poetas, eu não podia me sentir diferente e pensando na minha pesquisa, na minhda vida, nos começos e fins que existem durante nossa história, é que nasceu essa "pretensão de poema": DO PRINCÍPIO AO FIM. 



Do princípio ao fim
                              Camila Santana
Todo fim é término e começo
Todo começo é início e fim (sobretudo de antigas ideias)
Assim, na díade contínua da vida
Ora se anuncia o princípio
Ora se apresenta o concluir
Entre começar e terminar
Entre finalização e principiar
Correm as águas do caminho da vida
Se esgotam
Se renovam
Se poluem
Se purificam
E se é a vida um ir e vir constante
Se é a vida um completo paradoxo
Sou eu este ser complexo
Sou muito do que inicio
Sou muito do que concluo
Sou mais que início e fim
É a vida maior que o tempo.


 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

De repente 30!

Minha mãe costuma dizer que só não fica velho quem morre jovem. Embora óbvia, essa máxima é interessante, visto que o "envelhecer" assusta boa parte da humanidade.
Nunca achei que envelhecer me deixaria preocupada, mas aí, de repente, me vejo completando 30 anos e comecei a me preocupar. Sim, de repente, pois foi não mais que de repente. Outro dia eu planejava os meus 18 anos.
Fazer 30 anos é uma coisa interessante e esquisita...Parece que aos 30 já se deve ter vivido tanta coisa...Eu ainda me pego tendo tanto o que viver...Quantas coisas programei para fazer antes dos trinta que ainda não saíram do papel? Dirigir é uma delas...Quantas outras nem imaginei e já se vão quase treze anos de realizadas? Meu Mateus, minha coisa mais bem feita e mais gostosa.
Eu ainda acho os 30 meio caótico, histérico e acompanhado de crises, mas é também um período mágico de autoconhecimento, percepção de si, confirmações e ainda descobertas. Completar 30 anos parece significar  "se permitir".
Pensamos que nos "permitimos" na adolescência. Não. Aos 30 a soberania da maturidade, para alguns, da independência, da autonomia me possibilitam ser feliz e temerosa. É um dilema deliciosamente divertido.
O importante é que de repente, depois de um sábado de carnaval, 30 anos depois, numa segunda de carnaval, eu torno-me uma balzaquiana feliz! Mãe, filha, mulher, amiga, docente, doutoranda. Ainda sem dirigir, ainda sem conhecer a Europa, ainda sem uma casa na praia, mas feliz. E a felicidade é o que importa neste mundão.
Parabéns eu, parabéns eu!!!


domingo, 29 de janeiro de 2012

Terceira parte - Do ensino médio e de como me tornei educadora


O ensino médio foi a melhor experiência educacional da minha vida, mais do que a universidade. Reencontrei os amigos e os professores e fiz novos amigos-colegas e amigos-professores e decidi o que queria estudar no nível superior: DIREITO. Mas, como diz uma grande amiga minha: ‘apenas pensamos que decidimos algo em nossa vida, mas, de fato, pouco decidimos’.
No terceiro ano do ensino médio, em meio aos preparativos para o tão esperado vestibular, descubro que estou grávida daquele que foi meu namorado desde a infância. Choque na família. Choque na escola. E agora? E o vestibular? Ainda com medo e receio, resisti, conclui o terceiro ano e me inscrevi para Direito na UFBA e havia que escolher outro curso na UNEB, pois meu pai dizia a velha máxima de que: ‘pagando escola particular, não havia necessidade de pagar faculdade privada”.
Em 03 de agosto de 1999 nasce meu primeiro e único filho: Mateus. Razão da minha vida, motivo da minha força, minha mola propulsora. Foi quem permitiu que sendo mãe solteira, adolescente, estudante e vivendo de bicos, quisesse sempre mais. Agora não só por mim, mas por ele, principalmente.
            Educação nem sempre foi uma paixão. Não foi minha primeira opção profissional, nem um desejo. Não a escolhi. Ela me escolheu. Na dúvida em que curso escolher na UNEB, optei pelo de menor concorrência na época: uni duni tê: PEDAGOGIA. Logo após, saiu a classificação real daquele, já que a inscrição é feita baseada na concorrência do ano anterior. Era o boom da nova LDB: todo mundo em busca do título superior. A concorrência que era de 7 para 1, subiu para 74 para 1. Quase desisto. Meu pai achava um absurdo formar uma filha pedagoga, queria mais uma advogada, mas isso foi por pouco tempo. Logo, ele também, se apaixonou.
            Os amigos conveceram-me a fazer a prova. PASSEI!!! Vou ter uma profissão! O curso era gratuito, perto da minha casa, o que facilitaria cuidar do meu pequeno Mateus, ou seja, estudar Pedagogia na UNEB tinha se tornado meu maior objetivo para aquele ano. Em 2000 fui selecionada no Processo Seletivo desta Instituição. E desta forma comecei a dar meus primeiros passos em Educação.
            Não foi fácil. Desisti no segundo semestre, trancando as disciplinas. Os olhos de minha mãe esperançosos, sem saber que havia trancado, me fizeram voltar. O que me fez permanecer, foram duas situações;  Durante o curso fui buscando apropriar-me de conceitos específicos da área, bem como, das possibilidades de atuação em Pedagogia. Nascia outro anseio, o de pesquisar. Em julho de 2001 participei da 53ª Reunião Anual da SBPC, realizada na Universidade Federal da Bahia, com o objetivo de mergulhar ainda mais neste mar de conhecimento, ainda não tão desvendado por mim. Participei de alguns cursos, seminários, que me aproximavam ainda mais da prática docente. Era tudo novo e tudo deliciosamente esperançoso, possível de sonhar e idealizar. Sou pisciana, afinal.
Foi movida por este desejo, que iniciei minha busca por vagas em escolas da rede privada de Salvador no intuito de colocar em prática os conhecimentos e teorias aprendidos na Universidade e nos encontros acadêmicos dos quais participei. Um trabalho de formiga. Peguei o catálogo telefônico e fui ligando para as escolas que ‘vendiam’ propostas pedagógicas das quais eu simpatizava, pois ainda não as conhecia, estava no terceiro semestre. Oferecia minha mão de obra, em troca de aprendizagem e, pelo menos, o dinheiro da passagem... Depois de muitos nãos, encontrei uma porta, uma brecha, uma luz.
Era uma escola inclusiva, trabalhando na perspectiva sócio-interacionista com poucas crianças no Imbuí. Disse: pronto! É aqui que quero aprender! Em outubro de 2001 “inaugurei” o Programa de Estágio da Creche – Escola Espaço Construir. Digo inaugurei, pois na época propus a diretora da escola, Jenilda Vasconcelos, que me desse à oportunidade de estagiar naquela Unidade por um período de um mês afim de que pudesse perceber a realidade prática da sala de aula. Ela então topou o desafio e a experiência se estendeu por dois meses. 
O ano acabou e a escola com poucos recursos ficava teimerosa em me manter lá, pois eu ia diariamente e recebia apenas cento e vinte reais para custear o transporte e quiçá um lanche. Percebendo isso e sabendo que estando no terceiro semestre pouca coisa me seria oferecida, inscrevi-me no IEL em busca de estágio formal. No mesmo período em que saia da Espaço Construir, a Tempo de Crescer me convidava para estagiar lá com eles, assumindo uma turma de dois anos: um crime, mas uma aventura. A vivência na Espaço foi a responsável pelo meu encantamento por Educação Infantil e pelo respeito que tenho por esta escola, tanto que meu filho cursou Educação Infantil na Espaço Construir após a minha saída.
            Permaneci na Tempo por dois anos, até o fim da graduação. No período da Tempo minha vida mudou, casei, encontrei meu amor e foi lá que construí minha base docente. Tudo que aprendi que se deve e não se deve fazer em sala de aula aprendi lá.
Tinha encontrado na educação um motivo de felicidade que me permitia ser artista, mesmo sem os talentos de uma. Colocava para fora na educação infantil minha veia artística silenciada pela timidez, aparente apenas raras vezes para amigos.
Tive duas amigas de vida, maravilhosas e experientes, que me ensinaram práxis docente mais que qualquer professor na Universidade. Uma alfabetizadora, outra arte-educadora. Tive, mesmo tendo meu trabalho explorado, pois era docente, mas recebia como estagiária, as melhores aulas práticas da minha história docente. Ana Carla e Nilza me ensinavam a cada dia uma nova coisa e formamos um trio poderoso na escola, de sucesso e muito trabalho
Neste mesmo período, participei como aluna ouvinte, a convite do Professor º Arnaud Lima Júnior, da disciplina Psicologia Cognitiva – uma abordagem ecológica (ministrada pela Prof.ª Lynn Alves) no curso de Especialização em Educação e Tecnologia da Comunicação e Informação na UNEB. Durante esta experiência conheci outra possibilidade de trabalhar educação, aliando-a a comunicação. Era um campo teórico novo para mim, porém sedutor, confirmando-se mais tarde como minha escolha enquanto objeto de estudo.
Durante o tempo que permaneci na Tempo de Crescer, participei de duas Jornadas Internacionais de Educação, a primeira em 2002 e a segunda em 2003. As Jornadas foram espaços importantes de reflexão da minha prática docente, bem como, o momento de conhecer autores importantes de Educação e de troca de experiências com outros professores de realidades distintas e próximas à minha.
Era uma formação teórica na universidade e um mar abundante de práxis na Tempo: desafios e problemas constantes a serem solucionados. Era o sofrimento mais prazeroso que existia. Quando me formei a escola me dispensou. Desejavam conter custos e não mantinham todas as professoras graduadas no quadro. Apenas algumas, as outras vagas eram preenchidas com estagiárias de custo mais baixo. Eu era a mais recente contratada, pois conclui o curso antes do final do ano e, portanto, a primeira a ser demitida.
Assim, em 2003 conclui o curso de Pedagogia. A UNEB deixou saudades, mas eu sabia que não daria tchau, mas até logo. Carreguei comigo uma amiga, minha parceira teórica, madrinha de meu filho, Janaína, que dividia comigo as angústias da Educação e os sonhos de mudança.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Segunda parte - O ensino fundamental II e as grandes aprendizagens


Era 1993 eu entrava no Colégio Resgate. Na época, acredito que ainda hoje, era o maior da região do Cabula e vendia a imagem de ser o melhor, pois aprovava no vestibular antes mesmo do ensino médio ser concluído. Isso enchia os olhos de meu pai, que oscilava entre colocar os filhos no melhor colégio da cidade e colocá-los no melhor perto de casa. Fez a segunda opção e ainda bem! Lá no Resgate fiz uns dos maiores amigos da minha vida, vivi as coisas mais interessantes e tive os melhores professores.
A escola era bem tradicional, mas os professores burlavam em sala de aula, em quase sua maioria, as regras e inventavam outras, necessárias e mais divertidas. Tínhamos muitas aulas, mas muita diversão. Professores chatos, caricatos, divertidos, comprometidos, revolucionários.  Impossível esquecer de Antonio Aires e seu eterno verbo to be, durante toda a vida; de Sônia e suas aulas de História cheias de estórias; de Alfredo e a calma do mundo para ensinar matemática, enrolando sua barba que batia no peito; de Gedean, professor meu e da Parque de Anísio, com sua rigidez militar e sua militância social, suas aulas brilhantes de português e os trabalhos que fazíamos no Asilo D. Pedro II; de Anselmo e suas aulas de Educação Física, para mim insuportáveis, mas um grande companheiro; de Marcelo e sua ousadia na aula de Ciências, a primeira vez que de fato fiz pesquisa na escola, íamos a campo, e ele era lindo...São muitas lembranças, mas sem dúvida, a maior delas foi o professor Moisés.
Foi meu professor de História apenas por dois meses, mas capazes de mudar toda uma vida. Discordava do que os livros didáticos diziam, buscava nas músicas histórias para contar, nos filmes formas de ilustrar, nos livros não didáticos fatos para discutir. Um dia, leu algo que ele chamava de aberração em relação à história do Brasil. Pediu que arrancássemos a folha do livro, pois o que estava ali não era verdade. Levou-nos para o auditório, muito espaçoso, nos colocou em roda, cantou uma música com seu violão, e começou a recontar os fatos que estavam no livro. Falava de teóricos, ciência, pesquisa. Não entendia, mas ficava fascinada com a desenvoltura e a forma como ele dizia, argumentava e nos convencia. No meio da aula, a direção o chama. Começa uma discussão. Ele é demitido da escola, no mesmo dia. O que era uma organização da aula vira uma balbúrdia, uma guerra. Os alunos desesperados querem pedir para ficar, mas não tem forças. Não éramos ouvidos. Alguns jogam cadeiras para cima querendo ser ouvidos. São suspensos. Outros, como eu, choram em forma de grito quase. Como nos tiram o melhor professor que já havíamos tido na vida!
Antes de sair da escola, ele entra na sala, pede que nunca nos convençamos de que apenas porque está escrito torna-se verdade. Pede que sempre questionemos, que investiguemos, que sejamos curiosos, militantes. Diz que é muito cedo para entendermos tudo aquilo, tínhamos 12 anos... Escreve no quadro: SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS e diz: assistam, inovem. Vai embora.  Jamais me esqueci desse dia. Nunca me esqueci desse filme, mesmo que clichê tem um ideal utópico que me fascina. Desde então, venho fazendo isso: questionando, investigando, sendo ainda mais curiosa.
Na sétima série meu pai decidiu que queria que fôssemos para uma escola ainda melhor e maior. Colocou-nos no Alfred Nobel, um colégio bem conceituado em Salvador. Era outra realidade, inclusive financeira e social. Meus colegas iam para Europa, eu para Aracaju nas férias. Era uma classe bem diferente da minha, mas não senti nenhuma diferença, pelo contrário, fui muito acolhida e durante muito tempo mantemos a amizada de toda a minha galera do fundão. Aprendi com as diferenças. Não tinha o carro importado, não morava na cobertura, não ia para Disney, nem usava Nike. Mas tinha amigos que, embora tivessem e fizessem tudo isso, não me diminuíam por conta disso, muito pelo contrário. Aprendi coisas fantásticas de outras vivências e experiências que, provavelmente, os professores jamais conseguiriam fazer.
Foi no Nobel que publiquei meu primeiro texto em um livro. Era um concurso literário e meu poema foi um dos escolhidos. Venci a vergonha e, pela primeira vez, eu que sonhava ser escritora, deixava que algumas pessoas lessem meus escritos.
 Tive que sair do Nobel, pois, sucessivamente, meu pai e minha mãe ficaram desempregados. Ambos com mais de 40 anos. O mercado, na década de 90 era cruel, com mais de 40 e sem nível superior: fora. Ainda é assim. Naquele período foi uma queda, mas conseguimos seguir em frente, não mais no Nobel.
Ambos trabalhando como autônomos, era difícil ter um orçamento que fosse possível organizar o pagamento de uma escola. Foi ai que meu pai resolveu negociar com o dono do Colégio Resgate, ele considerava bom, já havíamos estudado lá muitos anos, era perto de nossa casa e eu precisava estudar para o vestibular. Ele sempre dizia que não queria deixar heranças materiais para os filhos. Se ele investisse na educação, não precisaríamos no futuro depender de herança.  E assim fez: cursos de idiomas, artes, esportes, viagens, cinemas, teatros, livros, jornais, revistas, de tudo nos foi oferecido. Faltava uma escola regular que nos preparasse para o vestibular.
Assim, ele propôs penhorar, dar como garantia um sítio que tínhamos em Monte Gordo. Era um sítio que ele idealizou durante toda a vida, comprou o terreno, começou a organizar e com a rescisão trabalhista começou a construção da casa. Ele dizia que seria o lugar que ele queria passar a velhice. Deu o sítio como garantia em troca das mensalidades até o último ano do ensino médio e os materiais didáticos de seus dois filhos. O acordo era: se ao final do terceiro ano ele não conseguisse quitar as mensalidades todas dos quatro anos que faltavam para mim e dos seis que faltavam para o meu irmão, o sítio que valia muito mais do que isso, era do dono da escola. Acordo feito. Foi assim que estudei no Resgate até o terceiro ano e foi assim que perdemos o sítio.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Primeira parte - Entre o nascimento e o Ensino Fundamental I


          Estou na labuta para a escrita da tese e no meio desse trabalho, venho resgatando o que produzi nas disicplinas do Doutorado. Uma delas, Educação, Sociedade e Práxis, teve como uma das atividades a escrita de um memorial sobre a vida do aluno, na perspectiva de pensar sua trajetória acadêmica e sua relação com a educação desde os primórdios. Foi uma delícia fazer e, agora revendo, resolvi compartilhar aqui no blog. Como é muito extenso, farei em partes.

PARTE I


Nasci na Bahia de Todos os Santos, na cidade de São Salvador, regida sob o signo de peixes, em um sábado de carnaval. Nasci sem ser planejada, mas já no ventre de minha mãe Dilmara, técnica em contabilidade, e nos pensamentos de meu pai, João Batista, vendedor, havia um sentimento de amor por aquele bebezinho que até então chamavam de Joãozinho. Como não queriam saber o sexo, mas apenas da saúde do ser que iria nascer, deixaram para decidir tudo em relação a mim, quando olhassem para os meus olhos.
E foi assim que, em 20 de fevereiro de 1982, no Hospital Jorge Valente, após um dia de praia, programa preferido dos meus pais, cheguei ao mundo, ainda sem nome, padrinhos ou enxoval de menina, coisas comuns à maioria das famílias católicas. Não a minha.
Ao olhar para mim, meu pai disse que só lembrava-se de uma senhora que conhecerá em Jequié, sua cidade natal, pois tinha o mesmo olhar de calmaria. Essa senhora chamava-se Camila, segundo ele, a única Camila que havia conhecido na vida. Assim, tornei-me Camila ao primeiro olhar de meus pais. Depois de nomeada, todas as outras coisas seguiram seu curso normal. Era o primeiro filho deles e a única menina para sempre. 
Dois anos depois nascia meu irmão, Leonardo, aquele o qual eu iria amar por toda uma vida, e brigar por toda a mesma vida. Foi meu primeiro aluno e meu primeiro professor, metaforizando as aprendizagens que só irmãos vivenciam, das artes, descobertas, segredos e brigas. Ensinei-lhe as coisas que todas as crianças maiores ensinam as maiores, como andar de bicicleta e dar os primeiros mergulhos. E aprendi a ser tolerante e paciente, pois um irmão mais novo sempre nos faz exercitar esses sentimentos.
Falei muito cedo, andei mais cedo ainda, aos 11 e 10 meses respectivamente. Era uma criança calma na primeira infância, é o que todos dizem até hoje. Meu passatempo preferido era dormir.
Aos três anos de idade, minha mãe que precisava voltar a trabalhar, pois havia parado para cuidar de mim integralmente, colocou-me na minha primeira escola: Educandário Carlos Chagas. Era uma escola pequena, no bairro em que morei a vida quase toda, Cabula. A escola era bem pequena: algumas poucas salas e um parquinho apenas. Foi lá que aprendi a ler, aos cinco anos, no antigo Jardim II com a Pró Olga, recordo-me dela até hoje.
Eu era muito envergonhada e meu maior martírio era fazer parte das apresentações na escola. Recusava-me simplesmente, ou ficava com cara de boba, escondendo-me atrás de qualquer coisa ou pessoa que fosse maior que eu. Isso demorou a passar.
Aos seis anos, quando ia começar a alfabetização, meus pais me mudaram de escola. Fui para o Parque da Criança. Uma escola um pouco maior do que a anterior e de propriedade da esposa de um colega de trabalho de meu pai, coincidentemente, ela, Zilmar, havia sido colega de escola da minha mãe na escola Parque, a idealizada por Anísio Teixeira.
Estudei no Parque da Criança durante todo o ensino fundamental. A escola tinha e tem ainda hoje uma linha tradicional de ensino e regras bem rígidas. Custo a acreditar como eu adorava a cartilha, a caligrafia e a tabuada. Mas adorava. Lembro desse sentimento como sendo hoje. Lembro que era uma das poucas que já entrou na alfabetização alfabetizada, mérito da Pró Olga. E adorava me exibir lendo as lições do SAPO, do PATO – as que mais me lembro – na Cartilha. Era motivo de orgulho, não ficar retida em nenhuma lição e completar logo a cartilha.
Minha professora da alfabetização era ranzinza, mal humorada, além de muito exigente. Lembro-me perfeitamente da fisionomia dela, dos trejeitos e do tamanho pequeno, mas não recordo o nome. Eu gostava de me exibir com as letras e os números, momento em que não tinha nenhuma vergonha, e ela odiava essa minha exibição.
Os anos seguintes correram de forma muito parecida, alguns professores bem rígidos, chateados com a vida, e sempre cobrando muito dos alunos. Às vezes penso em agradecê-los, outras em perguntar por que não tornavam este momento ainda mais especial. Como toda regra tem exceção, com essa não seria diferente. A professora Gecilda, da segunda série, rompia com todas essas práticas. As aulas dela eram divertidas, ousadas e criativas. Ela nos dava autonomia e nos cobrava responsabilidade. Desafiava-nos e, consequentemente, as desafiávamos. Tanto a turma e os pais insistiram que ela foi nossa professora no ano seguinte. Devo a ela a maioria das coisas que aprendi no ensino fundamental. Já lhe disse isso pessoalmente, pois já a encontrei diversas vezes em cursos de formação, visto que anos depois nos tornamos colegas da rede municipal de ensino... mas isso é outra história...
Como tudo tem um fim, o ensino fundamental, na época, primário, acabava e eu tinha que mudar de escola, pois lá só tinha até a quarta série. A notícia era desesperadora: ia deixar meus amigos de cinco anos, irem para uma escola maior, sair do transporte escolar, mas era instigante: eu ia para o ginásio, teria muitos professores, aula de informática – a febre do momento – e uma turma ainda maior. Mantive quatro amigos daquele período, que o são até hoje. Um deles, Mônica, acompanhou-me para escola nova, era minha vizinha, éramos amigas desde o Carlos Chagas e companheiras em tudo. Infelizmente, o câncer a levou em 2009, em um período em que já não éramos as mesmas amigas da época do colégio.