Minhas últimas impressões diante
da vida têm sido como disco arranhado para meus amigos, e consiste
na constatação de que uma vida é muito pouco para tudo que a vida
merece.
Ando dizendo também que deve ser a
crise dos 30, o que me remete a outra constatação: sim, ela existe.
Muito provavelmente isso tudo, no
meu inconsciente consciente, está relacionado ao fato de resistir
aos obstáculos e de querer ser plural, repartindo o que acumulamos
ao longo dos anos. Fernando Anitelli e Daniel Santiago falam disso
brilhantemente em Da entrega.
Apoderar-se de si/Recombinando
atos/Não sou quem estou aqui! Sou o instante...passo
Tenho pensado que se chega em um
momento da vida em que o sujeito começa a tomar as rédeas da
bendita, não tentando segurar o tempo, mas ressignificando seu
pensar, redimensionando suas ações e refletindo que não somos só
aquele aqui e agora, somos efêmeros, instantâneos e nisso, a vida
- a danada - vai passando.
É nesse movimento que penso na
entrega. Entrega à vida.
Apoderar-se de si/Remediando
passos! Convergir no olhar nosso brio e fúria/Conceber,
conservar...a aguerrida entrega!
Tomar ciência de si, revendo os
caminhos e traçando novas trilhas é uma tarefa que requer entender,
assegurar, mas também violentamente se entregar ao novo e ao
diferente, ou o mesmo igual. Se pensarmos que o ontem, o agora e o
depois são a mesma coisa, como repete incansavelmente Anitelli,
perceberemos o quanto de nada sabemos e o quanto o planejar pode nos
trazer tantas surpresas. O quanto a entrega é necessária para a
vivência da vida, pois ela - a danada da vida - não merece ser
contemplada, mas vivida. O tempo de contemplação engole o tempo da
ação e como disse aqui,
o tempo não para e nem espera
Nesse nosso desbravar, emanemo-nos
amor!/Até quando suceder de silenciar...O que nos trouxe até aqui!
Nada melhor virá!
Ser um bandeirante da danadinha
parece ser uma condição em busca de evitar as crises, que podem ser
dos 30, dos 20, dos 50. Esse desbravamento, não tem jeito de ser
melhor se não for embebido de amor. Mas, sobretudo, amor por eles: a
vida danada, o tempo arteiro. Esse primeiro emanar de amor é
condição para todos os outros amores que surgem e surgirão. E como
surgem!
Apoderar-se de si/Remediando
passos!
Um viva ao ser múltiplo e plural
que somos e vamos descobrindo suas facetas ao longo do passar do
tempo, mesmo que isso gere crise. No meu caso, crise dos 30, talvez.
* Trechos em destaque da canção
Da entrega de Daniel Santiago e Fernando Anitelli gravada pelo O
teatro Mágico, meu eterno vício.
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