Era 1993 eu entrava no Colégio Resgate.
Na época, acredito que ainda hoje, era o maior da região do Cabula e vendia a
imagem de ser o melhor, pois aprovava no vestibular antes mesmo do ensino médio
ser concluído. Isso enchia os olhos de meu pai, que oscilava entre colocar os
filhos no melhor colégio da cidade e colocá-los no melhor perto de casa. Fez a
segunda opção e ainda bem! Lá no Resgate fiz uns dos maiores amigos da minha
vida, vivi as coisas mais interessantes e tive os melhores professores.
A escola era bem tradicional, mas os
professores burlavam em sala de aula, em quase sua maioria, as regras e
inventavam outras, necessárias e mais divertidas. Tínhamos muitas aulas, mas
muita diversão. Professores chatos, caricatos, divertidos, comprometidos,
revolucionários. Impossível esquecer de
Antonio Aires e seu eterno verbo to be, durante
toda a vida; de Sônia e suas aulas de História cheias de estórias; de Alfredo e
a calma do mundo para ensinar matemática, enrolando sua barba que batia no
peito; de Gedean, professor meu e da Parque de Anísio, com sua rigidez militar
e sua militância social, suas aulas brilhantes de português e os trabalhos que fazíamos
no Asilo D. Pedro II; de Anselmo e suas aulas de Educação Física, para mim
insuportáveis, mas um grande companheiro; de Marcelo e sua ousadia na aula de
Ciências, a primeira vez que de fato fiz pesquisa na escola, íamos a campo, e
ele era lindo...São muitas lembranças, mas sem dúvida, a maior delas foi o
professor Moisés.
Foi meu professor de História apenas por dois
meses, mas capazes de mudar toda uma vida. Discordava do que os livros
didáticos diziam, buscava nas músicas histórias para contar, nos filmes formas
de ilustrar, nos livros não didáticos fatos para discutir. Um dia, leu algo que
ele chamava de aberração em relação à história do Brasil. Pediu que arrancássemos
a folha do livro, pois o que estava ali não era verdade. Levou-nos para o
auditório, muito espaçoso, nos colocou em roda, cantou uma música com seu
violão, e começou a recontar os fatos que estavam no livro. Falava de teóricos,
ciência, pesquisa. Não entendia, mas ficava fascinada com a desenvoltura e a forma
como ele dizia, argumentava e nos convencia. No meio da aula, a direção o
chama. Começa uma discussão. Ele é demitido da escola, no mesmo dia. O que era
uma organização da aula vira uma balbúrdia, uma guerra. Os alunos desesperados
querem pedir para ficar, mas não tem forças. Não éramos ouvidos. Alguns jogam
cadeiras para cima querendo ser ouvidos. São suspensos. Outros, como eu, choram
em forma de grito quase. Como nos tiram o melhor professor que já havíamos tido
na vida!
Antes de sair da escola, ele entra na
sala, pede que nunca nos convençamos de que apenas porque está escrito torna-se
verdade. Pede que sempre questionemos, que investiguemos, que sejamos curiosos,
militantes. Diz que é muito cedo para entendermos tudo aquilo, tínhamos 12
anos... Escreve no quadro: SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS e diz: assistam, inovem.
Vai embora. Jamais me esqueci desse dia.
Nunca me esqueci desse filme, mesmo que clichê tem um ideal utópico que me
fascina. Desde então, venho fazendo isso: questionando, investigando, sendo
ainda mais curiosa.
Na sétima série meu pai decidiu que
queria que fôssemos para uma escola ainda melhor e maior. Colocou-nos no Alfred
Nobel, um colégio bem conceituado em Salvador. Era outra realidade, inclusive
financeira e social. Meus colegas iam para Europa, eu para Aracaju nas férias.
Era uma classe bem diferente da minha, mas não senti nenhuma diferença, pelo
contrário, fui muito acolhida e durante muito tempo mantemos a amizada de toda
a minha galera do fundão. Aprendi com
as diferenças. Não tinha o carro importado, não morava na cobertura, não ia
para Disney, nem usava Nike. Mas tinha amigos que, embora tivessem e fizessem
tudo isso, não me diminuíam por conta disso, muito pelo contrário. Aprendi
coisas fantásticas de outras vivências e experiências que, provavelmente, os
professores jamais conseguiriam fazer.

Tive que sair do Nobel, pois, sucessivamente,
meu pai e minha mãe ficaram desempregados. Ambos com mais de 40 anos. O
mercado, na década de 90 era cruel, com mais de 40 e sem nível superior: fora.
Ainda é assim. Naquele período foi uma queda, mas conseguimos seguir em frente,
não mais no Nobel.

Assim, ele propôs penhorar, dar como
garantia um sítio que tínhamos em Monte Gordo.
Era um sítio que ele idealizou durante toda a vida, comprou o
terreno, começou a organizar e com a rescisão trabalhista começou a construção
da casa. Ele dizia que seria o lugar que ele queria passar a velhice. Deu o
sítio como garantia em troca das mensalidades até o último ano do ensino médio
e os materiais didáticos de seus dois filhos. O acordo era: se ao final do
terceiro ano ele não conseguisse quitar as mensalidades todas dos quatro anos
que faltavam para mim e dos seis que faltavam para o meu irmão, o sítio que
valia muito mais do que isso, era do dono da escola. Acordo feito. Foi assim
que estudei no Resgate até o terceiro ano e foi assim que perdemos o sítio.
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